Com
as regras definidas pelo governo para a renovação das concessões de
geradoras e transmissoras que expiram em 2015, desfaz-se uma crença
generalizada de que as ações de concessionárias públicas (setor
elétrico, telecomunicações, concessões rodoviárias, saneamento) são
seguras. Quais lições tirar do evento? Vale a pena comprar as ações
agora?
As ações do setor elétrico são consideradas defensivas, pois o
resultado operacional das empresas é mais estável, menos influenciado
pelos ciclos econômicos, logo são companhias que tendem a pagar
dividendos atrativos. Uma ação defensiva tende a apresentar menor beta,
ou seja, seu desempenho, em média, é inferior ao índice de mercado (por
exemplo, o Ibovespa) em mercados altistas, mas por outro lado tende a
superá-lo no caso de queda da bolsa (veja o post "
As ações defensivas do Ibovespa", de 09/08/2011).
Apesar de ser um instrumento poderoso para a formação de uma carteira
balanceada, o beta não é uma panaceia. Ele é calculado com base nas
cotações pretéritas. Com isso, pode variar dependendo do período da
apuração (cotações do último ano, dos últimos cinco anos) e da cotação
(diária, semanal, mensal). Além disso, eventos extremos, como o ocorrido
nesta semana com as novas regras para a renovação das concessões de
geradoras e transmissoras vincendas em 2015, podem afetar fortemente o
desempenho das ações.
Veja o caso das preferenciais de Cemig (CMIG4), com beta de 0,5 vez,
que teve queda de 19,7% em apenas um dia. Já tinha lembrado esse risco
no post "
Revise sempre sua carteira de dividendos",
de 05/07/12. Na ocasião, comentei: "Quando se fala em carteira de
dividendos, o setor elétrico é o mais lembrado pelos investidores. Um
setor maduro, com forte geração de caixa. Contudo, até mesmo o setor
pode ter sua tese de investimento alterada, comprometendo a distribuição
de dividendos. Logo, todo cuidado é pouco." Os riscos já começavam a
aparecer: "No setor elétrico, não é somente a revisão tarifária que pode
trazer incertezas - a renovação das concessões é outro fator de risco.
Por exemplo, várias geradoras terão suas concessões vencendo em 2015. A
renovação será automática? Haverá o pagamento de outorga? Haverá uma
nova licitação? Aguardemos as cenas dos próximos capítulos." Tenho que
admitir que não esperava um final de novela tão dramático, com algumas
ações caindo quase 30% no pregão de 12/09.
Por que as ações sofreram tanto? Os analistas de mercado já esperavam
uma queda da tarifa de energia após a renovação dos contratos. Essa
nova tarifa remuneraria os ativos remanescentes. Contudo, acreditavam
que o total de ativos ainda não totalmente depreciados seria muito
superior ao apresentado pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética) e pela
consultoria PSR. Um analista me confidenciou: "André, vinha conversando
com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) nos últimos quatro
anos. A Cesp considera como ativo ainda não totalmente depreciado R$ 5
bilhões. Colocava no meu modelo R$ 3,5 bilhões, número considerado
razoável pelos técnicos da Aneel. O estudo veio com R$ 84 milhões!".
As ações mais afetadas foram as de empresas que possuem mais
concessões a vencer em 2015 - Cesp PNB (CESP6) caiu 27,5%; Transmissão
Paulista (TRPL4), 24,0% e Cemig PN (CMIG4), 19,7%. Os investidores
parecem ter precificado as ações considerando que o pior cenário - de
que a Medida Provisória 579, que trata do corte nas tarifas de energia
elétrica e da renovação das concessões do setor, seja aprovado sem
alterações (interessante notar que a medida foi publicada em um 11 de
setembro). Contudo é difícil acreditar que Estados oposicionistas ao
governo federal como São Paulo, Paraná e Minas Gerais -controladores da
Cesp, da Copel e da Cemig, respectivamente - não tentem reverter essa
situação no Congresso ou via Judiciário. Sem desconsiderar o aumento do
risco gerado pela intervenção do governo, as ações de Cemig (CMIG4) e
Cesp (CESP6) podem ser boa opção para investidores mais agressivos após a
queda acentuada na semana.
Para uma cobertura completa sobre o assunto, recomendo
as diversas reportagens publicadas no Valor de 13/09/12, como "Para o
governo, só dez grandes hidrelétricas devem ter indenização", "Regras
previstas em MP surpreendem setor de transmissão" e "Cemig vai recorrer
ao Congresso contra MP".