Durante o auge da crise financeira internacional, a
Holanda parecia estar lidando relativamente bem com as ondas de problemas
econômicos.
Mas, agora, depois da queda do governo do
primeiro-ministro Mark Rutte por discordâncias sobre cortes no orçamento, os
sinais dos efeitos da crise ficam cada vez mais claros no país.
Muitos holandeses vêm usando soluções criativas para
driblar a crise, como vender o que sobra da comida feita em casa ou frequentar
bares onde se pode levar a própria refeição.
Outros recorrem a doações de alimentos. Fome não é
um conceito geralmente associado a países ricos europeus, mas a economia
holandesa está em recessão e o índice de desemprego chegou a 6%, o índice mais
alto em seis anos.
Uma em cada seis famílias tem dificuldades em pagar
a conta do supermercado.
Em Amsterdã, uma das soluções é se juntar às filas
em frente a um dos cinco "bancos de alimentos" da cidade, onde
voluntários organizam doações para quem precisa.
"Recebemos cerca de 1,3 mil famílias por semana
aqui. A demanda vinha crescendo já havia algum tempo, mas agora vemos um
aumento mais acentuado", disse à BBC Piet van Diepen, do Banco de
Alimentos de Amsterdã.
"Estamos vendo os efeitos da crise. Essas
pessoas estão sem emprego, têm pouco dinheiro e muitas dívidas. O governo está
diminuindo os benefícios também, então as pessoas precisam vir aqui", diz
ele, acrescentando que, hoje, 60 mil pessoas em toda a Holanda dependem dessas
doações.
Uma das primeiras da fila é Petra, que diz que os 40
euros (R$ 100) por semana que recebe do governo não são suficientes para
alimentar a família. Segundo ela, sem as doações, ela seria forçada a roubar.
"Há muita pobreza na Holanda, mas ela está
escondida, ninguém sabe."
Não muito longe dali, o badalado Basis Bar está lotado de
pessoas determinadas a não deixar a crise atrapalhar sua vida social. No bar,
os clientes trazem sua própria comida, que é aquecida pelos funcionários de
graça. Só é preciso pagar pelas bebidas.
"É muito caro sair e comer fora, mas aqui é ótimo
porque você não precisa gastar muito. Essa salada custa cinco euros (R$ 12) do
outro lado da rua, mas em um restaurante normal, seria algo entre 10 e 15 euros
(R$ 25 e R$ 37)", diz Sophie, que além da salada, levou também uma pizza
de muçarela e rúcula, que está no microondas do Basis Bar.
O dono do Basis (que quer dizer Básico, em holandês) diz que não
pensou em se beneficiar da crise quando criou o local, mas admite que vem
notando um aumento no movimento recentemente.
"Temos pessoas que trazem sopa de casa. Basta colocar umas
baguetes no forno e você pode ter uma noite agradável sem gastar muito",
diz Michiel Zwart.
E os funcionários ainda lavam sua louça e reciclam as
embalagens.
Culinária contra a crise
Do outro lado da cidade, Denise Dulcic, de 32 anos, nem
cogita a possibilidade de comer fora.
Quando o governo cortou os gastos com educação para
crianças com necessidades especiais, ela perdeu seu emprego como psicóloga
infantil e ainda não conseguiu achar outro trabalho na área.
"Agora, cozinho para sobreviver. Eu tenho qualificações,
mas não há mais empregos", diz ela, que decidiu fazer parte de um programa
chamado "Mesa para Dois", em que as pessoas preparam sua própria
comida e vendem as sobras.
Além disso, ela criou um negócio que combina culinária e
terapia.
"É difícil conseguir pagar meu aluguel, que é muito
alto. Cozinhar é minha paixão, mas eu estou fazendo isso porque é a única
maneira de sobreviver."
Com os políticos holandeses em uma difícil negociação para
cortar mais 9 bilhões de euros (RS 22 bilhões) do orçamento, cada vez mais
pessoas no país vão ter de lutar para evitar ter suas vidas completamente
transformadas pela crise.
Fonte: BBC Brasil